Este é um caderno de notas, de apontamentos — vamos aprender latim.
É um curso para amadores — amadores no sentido etimológico do termo: "amador" é "aquele que ama", aquele que ama a língua latina e quer aprendê-la.
Este é um caderno de notas, de apontamentos — vamos aprender latim.
É um curso para amadores — amadores no sentido etimológico do termo: "amador" é "aquele que ama", aquele que ama a língua latina e quer aprendê-la.
Séneca, filósofo (c.4 a.C. – 65 d.C.), Lúcio Aneu Séneca, o Jovem (para o distinguir do pai, Séneca, o Velho, o retórico), estudou em Roma retórica e filosofia e alcançou elevada consideração como orador e como escritor, chegando a ser o preceptor do futuro imperador Nero.
Deixou uma vasta obra e dela se destacam as Cartas a Lucílio, um conjunto de 124 cartas dirigidas ao seu amigo Lucílio, desenvolvendo variadíssimas questões filosóficas. Temas como a felicidade, o medo, a riqueza, a morte, a vida e os seus valores, o bem e o mal, a educação, entre muitos outros, dão-nos também a sua visão pessoal da época em que vivia.
Dessas cartas podemos extrair ensinamentos para o nosso tempo, como o que está presente na frase que se segue, na qual mostra a importância da sociedade na ajuda e no equilíbrio individual — sozinhos somos fracos, unidos tornamo-nos fortes:
Societas nostra lapidum fornicationi simillima est, quae, casura nisi in uicem obstarent, hoc ipso sustinetur.
Séneca, Cartas a Lucílio, 95, 53
Vocabulário:
fornicatio, fornicationis: abóbada
lapis, lapidis (f.): pedra
similis, simile : semelhante (com o seu complemento em dativo)
casura : particípio futuro do verbo cado, is, ere, cecidi, casum: cair
in uicem : alternadamente, por sua vez, sucessivamente - de uicis, genitivo de uix (nominativo desusado)
obstare : impedir; pôr obstáculo
sustinere : manter, resistir
Tradução:
A nossa sociedade é muito semelhante a uma abóbada de pedras, que iria cair se não pusessem obstáculos umas às outras, por isso mesmo se sustém.
Ou:
“A sociedade humana assemelha-se em tudo a um arco abobadado: as pedras que, sozinhas, cairiam, sustentam-se mutuamente, e assim conseguem manter-se firmes!”
Tradução de Segurado e Campos, Fundação Calouste Gulbenkian, 2007.
Mas a língua tem as suas cambiantes e prega-nos partidas; por isso conhecer a etimologia é sempre muito importante:
Da família de fornicatio é este outro substantivo:
fornix, fornicis: arco, arco de ponte; abóbada; arco triunfal
Segundo o Dictionnaire étymologique de la Langue Latine de Ernout-Meillet, na época imperial, o sentido de “arco triunfal” começa a ser substituído pelo vocábulo “arcus” e “fornix” é mais utilizado no sentido de “abóbada subterrânea” e especialmente “quarto abobadado” como os que eram habitados pelas pessoas de baixa condição social e pelas prostitutas. Daí ter passado a ser usado, na linguagem popular, com este significado e, especialmente, entre os cristãos. É também com este sentido que palavras desta família, como o verbo fornicare, aparecem em Plínio e mesmo em Horácio (fornix: lugar de prostituição, lupanar, aparece nas Sátiras de Horácio) e no autor cristão Tertuliano, por exemplo. Em Vitrúvio aparece apenas no sentido arquitectónico.
Em português, temos, na linguagem arquitectónica, fórnice “abóbada ou arco de porta”
E, tendo em conta a estrutura arqueada, na anatomia aparece o mesmo termo,fórnice, como:
— “fundo do saco entre o colo uterino e as paredes da vagina”;
— “trígono cerebral”
— “O fórnix ou trígono é um conjunto de fibras nervosas do cérebro que faz parte do sistema límbico, envolvido na emoção, motivação e memória de longo prazo.”
(in https://pt.sainte-anastasie.org/articles/neurociencias/frnix-o-trgono-cerebral-anatoma-y-funciones.html )
1. Substantivos de tema em consoante (3.ª declinação)
— societas, societatis — tema em dental : societat- (tirando a terminação -is de genitivo encontramos o tema da palavra); nominativo sigmático — forma-se acrescentando ao tema um -s [societat- s — a dental é assimilada pela sibilante -s, daí societas ]
— lapis, lapidis — tema em dental: lapid- [ igualmente nominativo sigmático ].
— fornicatio, fornicationis — tema em consoante nasal -n : fornication- [nominativo assigmático, é igual ao tema, mas a nasal cai, daí fornicatio]
Declinação
Singular Plural
Nominativo lapis lapides
Vocativo lapis lapides
Genitivo lapidis lapidum
Acusativo lapidem lapides
Dativo lapidi lapidibus
Ablativo lapide lapidibus
*************
2. Graus dos adjectivos — o superlativo
a.
— simillima : superlativo do adjectivo similis, simile : semelhante
Adjectivos terminados em – ilis, formam o superlativo com o sufixo – illimus, a, um
O particípio futuro é uma forma nominal do verbo; declina-se como um adjectivo da 1º classe e forma-se a partir do radical do supino acrescentando o sufixo – urus, - ura, - urum
Continuando com Ovídio e os seus poemas do exílio.
Ainda a elegia IX do Livro I
Depois dos lamentos sobre o abandono dos amigos em tempos menos felizes, o poeta estabelece comparações:
aspicis, ut ueniant ad candida tecta columbae, accipiat nullas sordida turris aues. horrea formicae tendunt ad inania numquam: nullus ad amissas ibit amicus opes.
Tristia, I, IX.
Começa com uma forma verbal na 2ª pessoa do singular:
— aspicis : do verbo aspicio ou adspicio (composto de ad + specio) : olhar, examinar; considerar
O poeta convida o leitor a considerar estes exemplos que comprovam o que ele afirmou nos versos anteriores.
considera / vê / observa ....
ut : que [ as orações que se seguem têm o verbo no modo comjuntivo: ueniant, accipiat
Atente-se, então, nos contrastes dos 4 versos:
Columbae ueniant ad candida tectacolumba, ae : pomba ; candidus, a, um : branco, belo
Turris sordida accipiat nullas aues turris, is : torre ; sordidus, a, um : sujo ; accipio, is, ere : receber
Formicae tendunt horrea .... nunquam ad inania
Nullus amicus ibit ad amissas opes
1º verso:
— sujeito do verbo de movimento — ueniant — : columbae
— ad candida tecta : complemento de ueniant — indica o lugar para onde vêm
Tradução: as pombas vêm para os telhados/casas brancos(as)
2º verso:
— sujeito: turris sordida
— nullas aues — complemento directo de accipiat
Tradução: uma torre suja não recebe nenhumas aves
—— Veja-se como candida tecta (casas brancas/limpas) se opõe a turris sordida (torre suja)
3º verso:
— sujeito : formicae — sujeito de tendunt formica, ae : formiga ; tendo, is, ere : dirigir, dirigir-se; procurar
— horrea .... ad inania (ad horrea inania): lugar para onde horreum, i (n.): celeiro ; inanis, inane : vazio
Tradução: as formigas nunca se dirigem para os celeiros vazios
4º verso:
— sujeito: nullus amicus — da forma verbal ibit ( futuro do verbo ire : ir)
— ad amissas opes : complemento de lugar para onde (ad+ acusativo)
amissus, a, um : particípio passado de amitto, is, ere, amisi, amissum (perder)
opes, opum : recursos, riqueza
Tradução: nenhum amigo irá/se dirigirá para os recursos perdidos/ as riquezas arruinadas
Tradução dos 4 versos:
Vê como as pombas procuram
as casas limpas e uma torre imunda
nenhuma ave recebe. As formigas nunca se dirigem
para os celeiros vazios e nenhum amigo
correrá para as fortunas arruinadas.
(tradução de Albano Martins)
E continuam as comparações nos versos seguintes:
utque comes radios per solis euntibus umbra est, cum latet hic pressus nubibus, illa fugit, mobile sic sequitur Fortunae lumina uulgus: quae simul inducta nocte teguntur, abit.
Tradução de Albano Martins:
Como a sombra que nos acompanha quando
caminhamos aos raios do sol e que,
quando uma nuvem o oculta, foge,
assim o vulgo inconstante segue o brilho
da fortuna e vai-se quando a chegada
duma nuvem o obscurece.
Exercícios:
Confronte o texto latino com a tradução:
A que palavras latinas corresponde a tradução “a sombra que nos acompanha”?
Quais as palavras que foram traduzidas por “vulgo inconstante”
Qual a palavra latina para “raios” (do sol)?
Atente nos vocábulos:
- umbra (umbra, umbrae)
- nubibus (nubes, nubis)
- lumina (lumen, luminis)
5.1. Encontre palavras portuguesas que, pela etimologia, se relacionem com estas palavras latinas.
Do seu exílio junto ao Mar Negro, Ovídio escreve um conjunto de poemas dirigidos à mulher e aos amigos, poemas reunidos sob o título de “Tristia”, “coisas tristes”, representando os dias de tristeza do poeta, nessa terra distante, sozinho e esquecido.
Nascido em Sulmona, no ano 43 a.C., Ovídio viria a falecer em Tomos, nas costas do Mar Negro (cidade correspondente à actual Constança, na Roménia), onde chegou no ano 8 d.C., cumprindo o exílio decretado pelo imperador Augusto. O volume Tristia reúne um conjunto de poemas compostos nesses anos de exílio. Neles o poeta descreve o ambiente que o rodeia, lamenta a sua sorte, fala do abandono, da saudade de Roma, dos amigos e da família e pede que intercedam por ele para que possa regressar.
No livro I, a Elegia Nona começa assim:
Que a ti, que lês esta obra como amigo,
te seja concedido atingir sem desgostos
o termo da vida! E oxalá que para ti
possam cumprir-se os votos que para mim
os deuses insensíveis não lograram.
(tradução de Albano Martins, Ed. Afrontamento, 2017)
E continua o seu lamento nos versos seguintes:
donec eris sospes, multos numerabis amicos: tempora si fuerint nubila, solus eris.
Vocabulário:
donec (conjunção temporal) : enquanto (tem o verbo no modo indicativo)
sospes, sospitis (adjectivo uniforme): são e salvo; propício; feliz
nubilus, a, um (adjectivo): coberto de nuvens; nublado; sombrio
solus, a, um (adjectivo): só; solitário; sozinho
Formas do verbo esse — verbo irregular: sum, es, esse, fui
eris : 2ª pessoa do sing. do futuro imperfeito
fuerint : 3ª pessoa do plural do futuro perfeito
Todas as formas verbais destes dois versos se encontram no tempo futuro: 3 formas do verbo irregular esse (eris, fuerint, eris)
Uma forma do verbo numerare (verbo de tema em -a): numerabis (2ª pessoa do singular)
Analisemos:
— oração 1ª - a afirmação : numerabis multos amicos [ o sujeito é tu, visto que o verbo está na 2ª pessoa do singular];
A tradução é simples: tu contarás muitos amigos
— dependente desta ideia vem a oração que se encontra no início da frase: donec eris sospes
Trata-se de uma oração temporal, introduzida pela conjunção donec ; o verbo está no modo indicativo — eris “serás, estarás” — ;
Para a tradução, no entanto, há que ter atenção a construção da frase em português e a sua estrutura em termos de relação tempo/modo.
A conjunção “enquanto” exige, em português, a forma verbal no modo conjuntivo – neste caso tempo futuro (refere-se a uma acção que poderá acontecer no futuro, aqui numa oração temporal, dependente de uma oração principal no futuro)
logo: tu contarás muitos amigos, enquanto fores feliz
Mantendo a ordem do verso:
Enquanto fores feliz, contarás muitos amigos
Passando ao 2º verso:
tempora si fuerint nubila, solus eris.
Começa, de novo, pela oração subordinada, tendo de seguida a oração principal.
Logo:
— solus eris : estarás sozinho [ em oposição a multos numerabis amicosdo verso anterior]
— si tempora fuerint nubila
Temos, agora, uma oração condicional, introduzida pela conjunção si .
A forma verbal — fuerint — encontra-se no futuro perfeito, modo indicativo [ o futuro perfeito designa uma acção futura concluída antes de outra acção futura — assim, a acção indicada nesta oração condicional estará completa antes daquela que é apresentada na oração principal — ... tempora nubila fuerint ... solus eris ]
Tradução:
Se os tempos forem sombrios, estarás só
É esse o lamento do poeta desiludido: quando vivia em Roma, vivia bem, tinha uma vida de glória motivada pela sua arte, tinha muitos amigos; agora, longe da pátria, sem influências políticas e sociais, sente-se abandonado pelos amigos, num momento em que mais precisava deles
Enquanto fores feliz, contarás numerosos amigos:
se os tempos se tornarem nublados,
ficarás só.
(tradução de Albano Martins)
Sintetizando os aspectos gramaticais:
Flexão verbal:
Verbo irregular: esse Verbo de tema em - a : numerare
Na sequência do post anterior, voltemos à República de Ragusa, onde, no século XIV, se estabeleceram as regras de quarentena
Interessante, também, o Lema da República de Ragusa:
Non bene pro toto libertas venditur auro
Vemos aqui a defesa de um valor universal — a LIBERDADE
O lema diz que “ a liberdade não se vende”
a.
Iniciada pela negativa non , a frase tem como sujeito libertas
libertas — sujeito de uenditur /venditur
libertas, libertatis (nome da 3ª declinação, tema em consoante – dental – t ) – veja-se o post anterior sobre a formação do nominativo sigmático
uenditur — forma passiva do verbo: uendo, uendis, uendere, uendidi, uenditum “vender”
libertas non uenditur : a liberdade não é vendida / não se vende
recordar como se enuncia um verbo — dizendo: a 1ª pessoa do singular do presente do indicativo (uendo), a 2ª pessoa do singular do mesmo presente do indicativo (uendis), o infinitivo presente(uendere), a 1ª pessoa do singular do pretérito perfeito (uendidi ), o supino (uenditum)
Este verbo é de tema em consoante — olhando para o infinitivo uendere , a vogal e da penúltima sílaba – de – é uma vogal breve, é uma vogal de ligação, logo, o tema do verbo é uend-
+++++++
Vejamos a conjugação do presente do indicativo na voz passiva:
uendor
uenderis entre o tema e a desinência pessoal, quando esta começa por consoante, introduz-se
uenditur uma vogal de ligação : uend – i - tur
uendimur
uendimini
uenduntur
b.
pro toto auro : por todo o ouro/em troca de todo o ouro
a preposição pro rege um ablativo (toto auro) e tem o sentido de “em troca de, por, em favor de”
o adjectivo totus, tota, totum significa “todo”, “inteiro” (indica a totalidade, a duração total)
sentido diferente de omnis, omne “todo”
Logo, toto auro indica todo o ouro que existe, a totalidade do ouro, todo o ouro do mundo
aurum, auri (neutro, 2ª declinação): ouro
[ símbolo químico do ouro : au ]
Veja-se a diferença:
omnes noctes : todas as noites
totae noctes : noites inteiras
Tradução:
— Felizmente a liberdade não se vende por todo o ouro do mundo
********
Esta mesma expressão é citada no Prólogo que Miguel Cervantes dirige ao “Desocupado Leitor” da sua obra D. Quixote e vem a propósito das citações que sempre devem ser feitas:
“Enquanto ao negócio de citar nas margens do livro os nomes dos autores, dos quais vos aproveitardes para inserirdes na vossa história os seus ditos e sentenças, não tendes mais que arranjar-vos de maneira que venham a ponto algumas dessas sentenças, as quais vós saibais de memória, ou pelo menos que vos dê o procurá-las muito pouco trabalho, como será, tratando por exemplo de liberdade e escravidão, citar a seguinte: Non bene pro toto libertas venditur auro, ...”
Do latim ao português:
De libertas deriva a palavra portuguesa “liberdade”. Vejamos como se deu a evolução:
A grande maioria das palavras portuguesas deriva do acusativo latino, por isso se chama a este caso o caso etimológico.
Assim:
acusativo libertatem > libertate > liberdade
Que fenómenos fonéticos se deram aqui?
1º a queda do -m final de acusativo, fenómeno que sempre acontece, apócope (queda de um som no fim da palavra)
2º a passagem da consoante dental surda intervocálica – t – à dental sonora – d - , fenómeno a que se dá o nome se sonorização (as consoantes oclusivas surdas intervocálicas passam a sonoras)
A Repúbica de Ragusa — chamada primeiro Communitas Ragusina e mais tarde Respublica Ragusina — correspondente à actual Dubrovnik, na Croácia, estabeleceu, no século XIV, um regulamento para todos os que voltavam das regiões atacadas pela peste que então assolava, nomeadamente, a vizinha Itália.
Assim, elaborou um código de regras específicas com o título:
De ordinibus contra eos qui veniunt de locis pestiferis anno 1397 factis
Analisemos a frase que dá título a esse conjunto de regras:
De ordinibus ... factis (anno 1397) —————> contra eos
| qui ueniunt
| de locis pestiferis
a.
de ordinibus — introduz o assunto de que trata o texto
temos o substantivo ordo, ordinis ( 3ª declinação, tema em consoante), no ablativo do plural
de + ablativo — temos, neste caso, um complemento a que podemos chamar de assunto ou matéria de que se fala; é construção familiar no título de tratados, enunciando a matéria que texto irá tratar
Logo, este texto irá tratar “ das regras “
Concordando com ordinibus, temos, no fim da frase factis
b.
Vem depois o complemento de tempo (tempo em que) no ablativo — anno “no ano de 1397”
Portanto : sobre as regras feitas/elaboradas
Esta mesma construção está presente no título de inúmeros tratados de Cícero, por exemplo:
— De Oratore : sobre o orador
— De Natura Deorum : sobre a natureza dos deuses
— De Senectute : sobre a velhice
— De Amicitia : sobre a Amizade
c.
As regras diziam respeito, especificamente, a determinados indivíduos, eram : contra eos... qui ueniunt
contra (preposição) + acusativo eos (eos acusativo do plural, masculino, de is,ea,id ): contra aqueles que vêm
d.
temos depois, um outro complemento em ablativo regido da preposição de
de locis pestiferis
Este complemento, que se liga a um verbo de movimento – ueniunt – indica o lugar de origem (lugar donde)
Logo:
As normas/regras eram “contra aqueles que vêm dos lugares pestíferos/atacados pela peste”
Questões gramaticais a fixar :
Flexão nominal
A 3ª declinação
— temas em consoante, nomes com nominativo assigmático, nominativo igual ao tema:
orator, oratoris — tema: orator - (tema em consoante – r ); nominativo do singular: orator
ordo, ordinis — tema: ordin- < ordon- ( nos temas em nasal – n a nasal cai na formação do nominativo)
— temas em consoante, nominativo sigmático (forma-se o nominativo do singular acrescentando um – s ao tema)
senectus, senectutis — tema: senectut – (tema em consoante dental -t); nominativo do singular: senectut -s > senectus (o - s assimilou o - t)
— sujeito: Sol ( nome da 3ª declinação, sol, solis)
— verbo: lucet (3ª p.sing. indicativo presente):
luceo, luces, lúcere, luxi : brilhar; nascer (o sol)
— complemento: omnibus (dativo do plural).
omnis, omne: todo
Então, a tradução é simples: O sol brilha para todos.
Questões gramaticais:
O verbo presente na frase é de tema em – e
— encontramos o tema no infinitivo — lucere — tirando a terminação do infinitivo – re ; logo, fica luce- a terminar em -e
Vejamos a conjugação do verbo lucere em todas as pessoas do presente do indicativo:
luceo
luces
lucet
lucemus
lucetis
lucent
declinação de omnis, omne [ omnis é masculino e feminino; omne é neutro]
Singular Plural
Nominativo : omnis omne ; omnes omnia
Vocativo: omnis omne ; omnes omnia
Genitivo : omnis ; omnium
Acusativo: omnem omne ; omnes omnia
Dativo : omni ; omnibus
Ablativo: omni ; omnibus
Notas:
- este adjectivo já tinha aparecido no post anterior
- trata-se de um adjectivo classificado como biforme, quer dizer, no nominativo do singular apresenta duas formas, uma para o masculino e o feminino e outra para o neutro
- alguns casos têm uma só forma, visto que a terminação é igual qualquer que seja o género
Extensão de conhecimentos:
1. de omnibus vem a designação dos transportes colectivos, que são para todos:
- ónibus (português do Brasil)
- bus ( inglês)
2. Outras frases:
— Labor omnia uincit : o trabalho tudo vence [ omnia — acusativo do pl. neutro: todas as coisas, tudo]
— Amor omnia uincit : o amor tudo vence
3. A mesma expressão “sol lucet omnibus” é o lema de uma universidade:
A expressão lembra-nos a igualdade de direitos, neste caso, o direito cultura, à ciência
- em português temos a expressão equivalente:
— o sol quando nasce é para todos
Do Latim ao Português:
— omnis é elemento de formação dos vocábulos:
- omnipotente : que pode tudo
- omnipresente: que está em todo o lado
- omnisciente : que sabe tudo
- omnívoro : que come tudo (que se alimenta tanto de animais como de vegetais)
[ para estudar e rever as questões gramaticais tratadas neste post e no anterior, vá ao Arquivo deste blogue, ano 2014, e veja as lições dos meses de Fevereiro e Março ]
Provérbio latino frequente em relógios, especialmente nos antigos relógios de sol.
O provérbio refere-se ao tempo, às horas e à nossa passagem pela vida, contando essas horas.
ANALISANDO, TEMOS:
2 adjectivos:
omnes ( de omnis, omne : todo)
ultima (de ultimus, a, um : último)
2 formas verbais no presente do modo indicativo (uma no plural, outra no singular):
uulnerant ( de uulnero, as, are aui, atum: ferir)
necat ( de neco, as, are, aui, atum : matar)
Os adjectivos (o 1º no plural, o segundo no singular) subentendem um nome:
horae (a concordar com omnes)
hora (a concordar com ultima)
Tradução: Todas ferem, a última mata
O provérbio pretende alertar-nos para o efeito que o tempo tem em nós. Todas as horas que vivemos, bem ou mal, deixam as suas marcas. Há, portanto, que vivê-las o melhor possível para que a sua marca não seja uma ferida fatal, para assim podermos atrasar a “última”.
Não é, pois, de estranhar que este provérbio apareça, essencialmente, nos relógios, o símbolo da passagem do tempo
Outros relógios que falam:
Sine sole sileo
Aqui, aparece-nos o relógio transformado em ser animado.
Ele fala, temos um verbo na 1ª pessoa do singular:
sileo (1ª p. sing. do indicativo presente) : verbo sileo, es, ere, silui : calar; calar-se; descansar
sileo: eu calo-me; eu fico em silêncio
sine sole : temos a preposição sine (= sem) que rege um nome em ablativo — sole (de sol, solis : sol)
Então, o relógio diz de si próprio: Sem sol calo-me
O que significa isso?
— Trata-se de um relógio de sol, logo, só funciona se houver sol, uma vez que é a projeção da luz solar que indica as horas
— Mas isso poderá também levar-nos a reflectir sobre o tempo e o seu significado, levar-nos a observar cada dia com a sua importância específica, sobre a LUZ que o sol simboliza.
Do Latim ao Português:
1. Da mesma raiz do verbo uulnerare, o latim tem:
- o nome neutro, da 3ª declinação, tema em consoante uulnus, uulneris : ferida
- o adjectivo uulnerabilis, uulnerabile : vulnerável
Daí o português:
- vulnerável / invulnerável
- vulnerabilidade / invulnerabilidade
2. Da família de sileo temos, em latim:
- o nome neutro da 2ª declinação silentium, silentii : silêncio
- silens, silentis : particípio presente de sileo é o adjectivo: silencioso
O poeta diz-nos que, tal como a vida dos homens e das plantas, as palavras vão mudando, desaparecendo umas para dar lugar a outras.
Assim a língua é considerada um fenómeno natural:
Vt siluae foliis pronos mutantur in annos,
prima cadunt, ita uerborum uetus interit aetas,
et iuuenum ritu florent modo nata uigentque.
Horácio, Arte Poética, 60-62
Vejamos:
Temos, no 1º e 2º versos, os termos da comparação: ut siluae...ita uetus aetas uerborum...
pronus, prona, pronum : inclinado para a frente; que desce
proni anni : o findar do ano; o fim da estação
in annos pronos : no fim da estação/para o fim da estação; no findar dos anos
mutantur : 3ª pessoa do plural do presente do indicativo, voz passiva, de muto, as, are, aui, mutatum: mudar; transformar-se
(é no findar de cada ano que as florestas se transformam no que toca às folhas e as que caem primeiro são as mais velhas, as mais antigas)
cado, cadis, cadere, cecidi, casum : cair
prima — refere-se a folia ; folium, folii (neutro): folha
primus, prima, primum : aquele que está à frente de tudo; o primeiro (no tempo ou no espaço)
prima folia serão as folhas que estão à frente no tempo, que apareceram primeiro, logo, as mais antigas, as mais velhas
uetus, ueteris (adjectivo uniforme): velho; idoso; antigo; de outros tempos — daqui vem o português veterano, que se refere ao mais antigo (numa profissão, num curso, etc.)
aetas, aetatis (f.): idade; tempo; geração — daqui vem o português etário
interit : 3ª pessoa do singular do presente do indicativo de intereo (composto de inter + eo), is, ire, iui, itum ; perder-se, desaparecer; acabar; extinguir-se
florent : 3ª pessoa do plural do presente do indicativo do verbo, de tema em -e, floreo, flores, florere, florui : florir; florescer; brilhar [ o sujeito é o mesmo da oração anterior — as palavras ]
uigent : 3ª pessoa do plural do presente do indicativo do verbo, de tema em -e, uigeo, es, ere, uigui: ser forte, cheio de vida; estar vigoroso
ritus, ritus (m.): uso, costume; modo
iuuenis, iuuenis : jovem
iuuenum ritu : à maneira dos jovens
modo : recentemente; há pouco
natus, a, um (particípio passado do verbo nascor, nasceris, nasci, natus sum : nascer)
nata (nom. do plural neutro, refere-se a uerba do verso anterior)
modo nata : aquelas (palavras) há pouco nascidas
Tradução total:
Tal como as florestas se transformam quanto às folhas [ ... mudam de folhas] no findar dos anos, caem as mais antigas, assim também a velha geração das palavras se extingue, e à maneira dos jovens, aquelas há pouco nascidas florescem e ficam cheias de vida.
Questões gramaticais:
Flexão verbal:
Verbo irregular : eo, is, ire, iui / ii , itum : ir
Particípio presente : iens, euntis: indo, que vai ou ia
Imperativo presente: i : vai. ; ite : ide
Compostos: exeo, exis, exire, exiui / exii, exitum : sair
transeo, transis, transire, transiui, transitum: ir para além, atravessar
Bonum uinum laetificat cor hominis (provérbio medieval)
Verba uolant, scripta manent (provérbio)
Dois interessantes provérbios, de fácil compreensão e tradução.
Vejamos:
— como sujeito uma palavra do género neutro — uinum, uini “vinho” — com o adjectivo a concordar — bonum
— a forma verbal — laetificat — lembra-nos o adjectivo laetus “alegre”
É deste adjectivo laetus (no acusativo “laetum”, visto ser o acusativo o “caso etimológico”, isto é, aquele de onde deriva a maior parte das palavras portuguesas) que vem o português “ledo” (= alegre), tão presente em Camões:
“ Aquela triste e leda madrugada” (soneto)
“Naquele engano de alma ledo e cego” (Os Lusíadas, episódio de Inês de Castro)
Lembremos também o nome próprio Letícia
Então o verbo laetificare significará “alegrar”
— como complemento directo de laetificat temos “cor hominis”
cor, cordis (nome neutro) significa “coração”
Com esta palavra se relacionam pela etimologia, os vocábulos portugueses:
— cordial
— concordar
— acordar
— saber de cor
— hominis é complemento do nome cor — trata-se do genitivo de homo
Então:
Um bom vinho alegra o coração do homem.
2.
O segundo provérbio remete-nos para a importância da gravação de tudo o que é importante, visto que o que está escrito jamais se perderá:
As palavras voam, os escritos permanecem.
— temos dois nomes neutros, ambos no nominativo do plural, cada um deles servindo de sujeito a uma forma verbal:
— uerbum, uerbi “palavra”
uerba — é o sujeito de uolant, do verbo uolare, que está na origem do português volante, volátil
de uerbum vem o português :
verbo
verbal
verbalizar
— scriptum, scripti significa “escrito”, “texto escrito”
scripta — é o sjeito de manent, do verbo manere “permanecer”
Amicitia inter pocula contracta plerumque est vitrea
De análise e significado muito simples. Aqui temos:
— o sujeito: amicitia
— o verbo copulativoest , com o predicativo do sujeito — vitrea.
Sendo vitrea um adjectivo que concorda com o sujeito, está no género feminino.
Este adjectivo é derivado do substantivo vitrum, vitri "vidro" — logo, vitreus, a, um quer dizer "de vidro" , "vítreo".
Então: a amizade é de vidro (quer dizer, facilmente se quebra).
— junto ao sujeito amicitia temos um complemento desse nome — inter pocula contracta; trata-se de uma especificação, não é qualquer amizade, mas é aquela inter pocula contracta
— Analisando a expressão, vemos que contracta é o particípio contractus, a, um, do verbo contraho que significa "contrair" — será, pois, um nominativo feminino, a concordar com o sujeito amicitia.
— resta inter pocula — sabendo que a preposição inter "entre" rege acusativo, concluímos tratar-se de um acusativo do plural, género neutro, do substantivo poculum, poculi que significa "copo", "acção de beber" , logo, "bebida" — será, então, uma amizade contraída entre copos, entre bebidas.
Resta o vocábulo plerumque — advérbio que significa "geralmente", "várias vezes" — logo, a afirmação não é radical, deixa a ideia de que isso não acontece sempre, mas é usual.
Vemos, então, que o provérbio chama a atenção para o facto de o estado de embriaguês não ser propício a verdadeiras amizades visto que o indivíduo não se encontra em plena consciência dos seus actos.